diz que virei nuvem, vapor, depois chuva
e que molhei e que caí
que virei rio, riacho, e desaguei
que entrei numa locomotiva
e que virei carvão, pó, fumaça,
que vi a neve cair, que me congelei
que vi a partícula de água
num instante latente
e que te vi sorrir
diz que bebi
que me embriaguei e que caí
chorei sem nem sorrir
sem nem ter colo nem meio-fio
só o preto do asfalto a me sentir
diz que fui tão a fundo no existir
que acabei morrendo
e acordei sequer sendo
um pedaço de mim
que virei tinta, mão,
e me escrevi na tua pele de papel
que me perdi nas ranhuras de tua pele
e me dissolvi em todas elas
diz que me integrei
que virei
que sou
que éramos
que fomos
que seremos
que sempre somos